Uso de informações implícitas no Enem

Depois de ter praticado a escrita de textos que exigem precisão em sua escrita, você vai se divertir com textos que usam justamente de imprecisões para cumprir com seus propósitos, ou que despistam o leitor, embora pareçam, numa primeira leitura, bastante precisos. Este procedimento de despistar o leitor pode ser usado para diferentes tipos textos e compreendê-lo é importante para a leitura e a escrita. Aqui você terá acesso a dois exemplos: jogos e literatura.

Textos que se sustentam justamente nas imprecisões das informações são aqueles feitos para um tipo de jogo chamado Problemas de Lógica, conhecidos também pelo nome de A César o que é de César, e que podem ser encontrados facilmente em qualquer banca de revista.

Divirta-se com o jogo que a estudante de Letras da USP, Érika Salgado, fez na disciplina de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, em 2002, a partir de um texto literário.

A SAGA DE SIEGFRIED

Há muito tempo atrás, em terras distantes e em reinos que já não existem mais, havia um herói chamado Siegfried.
Siegfried era belo, valente e excelente guerreiro. Em suas andanças e conquistas adquiriu a poderosa espada de Balmung, o tesouro dos Nibelungos, o corcel Grane, a capa de invisibilidade e a película de gordura de dragão que o tornava invulnerável. Com tantos atributos, sendo o maior deles a bondade, Siegfried também encontra a pessoa para quem entrega seu coração, Kriemhilde.

São vários os personagens que fazem parte da história de Siegfried: Kriemhilde, Hagen, Brunhilde, Átila e Gunter. Os reinos em que eles nasceram foram Worms, Hunos e Islândia.

Cada um dos personagens pode ser identificado por traços de caráter marcantes, havendo entre estes o pacato, o impetuoso, o orgulhoso, o interesseiro e o taciturno. No decorrer de suas vidas, estes personagens desenvolveram sentimentos fortes tais como a vingança, a inveja, o ressentimento, o desejo de conquista e a desconfiança. Esses personagens estão todos ligados por algum grau de parentesco – irmão, tio, segundo marido e cunhada – à bela Kriemhilde, que é esposa de Siegfried.

De acordo com as informações abaixo, descubra os dados de cada personagem – reino que nasceu, parentesco, caráter e sentimentos que alimenta – e descubra quem foi o traidor que matou Siegfried, pois nosso herói tinha uma pequena falha em sua invulnerabilidade e foi através dela que ele foi ferido mortalmente. A única informação que temos é que o personagem que matou Siegfried possui um dos “7 pecados capitais” e é o personagem mais velho da história.

1.  A pessoa com caráter pacato nasceu em Worms e cultivou o sentimento de vingança.
2.  Átila, que não nasceu em Worms nem na Islândia, tem um caráter impetuoso.
3.  Gunter, que não nasceu na Islândia nem em Hunos é interesseiro, mas não cultiva o sentimento nem de inveja nem de conquistas.
4.  A pessoa que nasceu na Islândia cultiva o sentimento de desconfiança e tem um caráter orgulhoso.
5.  Hagen não é irmão nem segundo marido, não cultiva a conquista nem o ressentimento.
6.  A pessoa de caráter pacato não é Brunhilde, que não é tia de Kriemhilde, nem Hagen.
7.  Gunter é cunhado de Siegfried, mas não é taciturno nem orgulhoso.
8.  Brunhilde, que nasceu na Islândia, é irmã de Siegfried e não cultiva o sentimento de inveja nem de ressentimento.
9.  Três personagens, dentre eles o tio, nasceram no mesmo reino.
10.  O segundo marido de Kriemhilde nasceu em Hunos.

Leia também qualquer livrinho da série Problemas de Lógica. Ao tentar resolver os desafios propostos, vá anotando todos os conhecimentos de Língua Portuguesa necessários para resolver estes problemas e converse com seus colegas e professores sobre eles.descomplica-e-bom-descomplica-funciona

Só para citar um exemplo de problemas de compreensão relacionados ao conhecimento de Língua Portuguesa necessário para resolver os Problemas de Lógica, considere-se a seguinte pista:

Os quatro convidados eram Júlio (que não estava de vermelho), o que gosta de bolo de cenoura, o que usou roupa azul listras e o que estava usando verde.

Ao ler esta pista o leitor, às vezes, não considera que a vírgula nesta frase substitui a conjunção aditiva e, o que gera um problema, pois o leitor considera que Júlio e o que gosta de bolo de cenoura são a mesma pessoa. Assim, o que gosta de bolo de cenoura é lido como se fosse um aposto de Júlio. Este problema pode estar associado à não consideração de que se trata de quatro pessoas e mesmo da função da conjunção aditiva e.

Depois de estar familiarizado com o mecanismo dos Problemas de Lógica, procure resolver um deles e, em seguida, escrever a história na ordem direta. Você também pode montar um problema de lógica a partir de um texto qualquer. Este exercício vai proporcionar conhecimentos sobre a escrita com uso de imprecisões.

Leia agora uma carta extraída de um livro intitulado As relações perigosas, do autor francês Choderlos de Laclos.

Carta XLVIII

Do Visconde de Valmont à Presidenta de Tourvel (Carimbada de Paris)
Depois de uma noite tempestuosa, durante a qual não preguei o olho, depois de ter passado por um estado de agitação ardente e devoradora ao de completo aniquilamento de todas as faculdades da alma, é que venho procurar a vosso lado, senhora, a calma de que preciso e que, entretanto, não espero poder gozar ainda. Com efeito, a situação em que me encontro ao vos escrever faz-me entender mais do que nunca a força irresistível do amor; sinto dificuldade em conservar suficiente domínio sobre mim mesmo para pôr alguma ordem em minhas ideias; e, desde já, prevejo que não terminarei esta carta sem ser forçado a interrompê-la. E não poderei, então, esperar que compartilhareis algum dia da perturbação que sinto neste momento? Ouso crer, entretanto, que, se a conhecêsseis bem, não seríeis inteiramente insensível a ela. Acreditai-me, senhora, a fria tranquilidade, o sono da alma, imagem da morte, não conduzem à felicidade; só as paixões ativas podem levar a ela; e, apesar dos tormentos que me fazeis experimentar, posso assegurar-vos, sem receio, que sou, neste momento, mais feliz do que vós. Em vão me acabrunhais com vossa desoladora severidade; ela não me impede de me entregar inteiramente ao amor, e de esquecer, no delírio que ele me causa, o desespero a que me condenais. Assim é que quero vingar-me do exílio a que me obrigastes. Nunca tive tanto prazer em vos escrever; nunca senti nessa ocupação emoção tão doce e, no entanto, tão viva. Tudo parece aumentar meu arrebatamento; o ar que respiro é ardente de volúpia. A própria mesa em que escrevo, consagrada pela primeira vez a este uso, torna-se para mim o altar sagrado do amor; como vai embelezar-se a meus olhos! Terei traçado nela o juramento de vos amar sempre! Perdoai, suplico-vos, o meu delírio. Deveria, talvez, abandonar-me menos a esses arrebatamentos que não partilhais; cumpre deixar-vos um instante para dissipar uma embriaguez que faz mais forte do que eu.
Retorno a vós, senhora, e, sem dúvida, com o mesmo entusiasmo de sempre. Entretanto, o sentimento da felicidade fugiu para longe de mim; deu lugar ao das privações cruéis. Que adianta falar-vos de meus sentimentos, se busco em vão os meios de vos convencer? Depois de tantos esforços reiterados, a confiança e a força me abandonam ao mesmo tempo. Se ainda rememoro os prazeres do amor, é para sentir mais vivamente a tristeza de me ver privado deles. Só encontro para mim em vossa indulgência, e sinto demasiado, neste momento, quanto preciso dela para esperar obtê-la. No entanto, nunca meu amor foi mais respeitoso, nunca vos deve ter ofendido menos; é de tal ordem, ouso dizê-lo, que a mais severa virtude não deveria receá-lo; mas temo, eu mesmo, entreter-vos mais tempo com a dor que experimento. Certo de que o objeto que o causa dele não compartilha, não devo, pelo menos, abusar de suas bondades; e seria fazê-lo empregar mais tempo em vos traçar essa dolorosa imagem. Tomarei tão somente o de vos suplicar que me respondais e que não duvideis da autenticidade de meus sentimentos.

Paris, neste 30 de agosto.

Fazer um exercício oral de interpretação da carta acima, trocando impressões sobre o tema central com seus colegas de sala.

Na apresentação do módulo, falamos na importância da contextualização do fato que está sendo relatado, procurando fornecer informações pontuais e necessárias para a compreensão do que você está escrevendo, sem excesso de detalhes. Neste momento, depois de ter trabalhado com um Problema de Lógica e de ter tido acesso à obra de Choderlos de Laclos, você vai fazer um exercício em outra direção. Escreva um texto em que as informações dadas levem o leitor a entender outra coisa.

Em seguida você vai trocar os textos com seus colegas e adaptar as perguntas sugeridas na apresentação para verificar se o texto está bem escrito dentro do propósito com que está sendo produzido nesta atividade. Ou seja:

–  As informações colocadas no texto foram suficientes para despistar o leitor sem comprometer a eficácia do texto?

–  As informações colocadas no texto eram necessárias para despistar o leitor?

–  Havia no texto elementos que permitiam ao leitor chegar na outra leitura possível, e pretendida, sem prejudicar o efeito de surpreender o leitor?

Autor: Rogério Souza

Professor de Português e criador do curso Português Pra Passar

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